Séries de TV: Fuller House
Quando, no início deste ano, a Netflix anunciou
o lançamento da primeira temporada de Fuller House – uma espécie de
spin-off/continuação da famosa série das décadas de 1980/1990 Full House (no
Brasil, Três é Demais) – tive sentimentos conflitantes.
Durante minha pré-adolescência fui uma grande
fã da série original. A série era transmitida às 14:00, de segunda a sexta, e
como neste horário eu estava no colégio, programava o vídeo cassete para gravar
os episódios.
Tinha brigas homéricas com minha irmã que
estudava de manhã e depois do almoço ia assistir MTV e esqueci de pôr no canal
certo depois. Lembro que chorava de raiva toda vez que ela fazia isso.
Gostava muito, demais da conta. Mas, a medida
que fui crescendo, comecei a reconhecer todos os defeitos da série – a pieguice,
o melodrama, as situações exageradas e as atuações duvidosas.
Era uma série besta, padrão – seguia a
prolífera formula das sitcoms para toda a família que marcaram a década de 1980:
Different Strokes, Family Ties, Who is the Boss?, Step by Step, The Cosby Show,
Alf, Growing Pains, Facts of Life, entre outras. Sempre havia crianças
engraçadinhas e bonitinhas, a lição de moral no final, a família feliz que
conversa sobre seus problemas e se abraçava no final – arrancando um ‘Ohhhn’ da
plateia.
Todas eram quase iguais e eu assistia quase
todas. Ainda assim, Full House era a minha favorita.
E foi lembrando do bom e do ruim que sentei em
minha cama, em uma noite de fevereiro, para assistir à estreia de Fuller House.
E mesmo odiando o primeiro episódio, assisti todos os 13 episódios disponíveis
em apenas um fim de semana.
Culpei o mestrado e o estresse. Achei que
estava embarcando nesses personagens novamente porque queria um entretenimento
fácil, para fugir dos meus problemas, e uma bem-vinda pontada de nostalgia,
para me lembrar de casa e de minha família.
Os defeitos ainda eram os mesmos... Se não mais
acentuados em um época que as séries já não se permitem ser tão piegas. É uma
série anos 1980/90 em pleno 2016. E quando, houve o anuncio da segunda
temporada, admito que fiquei até um pouco pasma, me perguntando quem seria o
público alvo de Fuller House.
Corta para final de novembro.
Em meio à uma tentativa desesperada de escrever
um livro de ficção científica, comecei a me perguntar o que me atraia no
gênero: se era o otimismo de idealizar um mundo melhor, se era a busca pela
resposta da condição humana ou se simplesmente o embarcar numa jornada em um
mundo diferente, para o qual podemos escapar por alguns momentos (nunca fui
interessada em tecnologias, física ou matemática, então isso eu sabia que não
era mesmo!).
Tendia para a opção da jornada e tive essa
confirmação com a sensação que tomou conta do meu corpo enquanto assistia
Animais Fantásticos e Onde Habitam nos cinemas. Era como estar em casa, mais
uma vez, naquele mundo de magia. E isso ficava claro pelo fato de não haver
nenhum personagem de Harry Potter ali.
Até aquele momento, acreditava que o sentimento
de casa só poderia vir de pessoas e nunca de lugares. Acho que isso vem do fato
de eu nunca ter morado em uma cidade ou em uma comunidade forte, que eu me
identificasse. Não sinto falta da cidade onde nasci e cresci, mas sinto falta
de uma Galáxia muito distante ou do Mundo Bruxo.
Como um exercício para a revisão do meu livro,
resolvi fazer uma lista desses lugares. Desses mundos que fazem me sentir bem.
Me sentir querida, bem-vinda, incluída, em casa.
Criei três categorias: Mundos Fantásticos
(Harry Potter, Stardust, O Mágico de Oz), Mundos da Ficção Científica (Star
Wars, Firefly, Star Trek) e No planeta Terra, mas ainda assim... Essa terceira
categoria englobava estórias como Os Goonies, Indiana Jones, Penelope, O Jardim
Secreto... Me vi colocando ainda a cidadezinha de Stars Hollow... E, de repente, quis colocar a casa dos
Tanners.
E assim, estreou a segunda temporada de Fuller
House – e no melhor espirito Family’s Sitcom o foco são as festas de fim de
ano: Halloween, Thanksgiving, Natal e Ano Novo – ótimas oportunidades para
clichés, situações açucaradas, estereótipos, lições sobre a importância da
família e abraços... Muitos abraços.
Pensei em não assistir. Cheguei a brincar que a
Netflix não me respeitava, me mandando e-mails e notificações por Push para me
avisar que os Tanners (não consigo chamá-los de Fullers) estavam chegando.
Novamente, não resisti. Em 24 horas assisti toda
a nova fornada de episódios. E percebi que o sentimento que essa série me
provoca era completamente distinto do sentimento proporcionado por Gilmore
Girls: A Year in Life.
Houve nostalgia ao encontrar Lorelai, Rory e
toda a trupe. Mas é totalmente diferente. Sentia saudades daqueles personagens
e daquele lugar. Tinha curiosidade em saber o que teria acontecido na vida
deles. Eu me identificava com Rory no passado e ainda me identifico agora...
Gostaria de conhecer pessoas daquele jeito, via amigos e situações vividas no
dia a dia do programa – tanto no original, quanto no novo.
Entretanto, percebi que, se eu tivesse que
recomendar uma dessas séries para alguém, facilmente escolheria Gilmore Girls,
mas se eu precisasse escolher apenas um desses dois mundos para mim, ficaria
com os Tanners sem pestanejar.
E foi isso que eu descobri assistindo à segunda
temporada de Fuller House, entendi qual é minha dinâmica com eles.
Não, Fuller House não mudou muito na segunda
temporada. Houve um pouco mais de foco na ‘nova’ família e um pouco menos de
aceno ao passado – e isso certamente é um ganho. Mas foi a correção do pior
defeito da primeira temporada que fez tudo se encaixar: enquanto todos pareciam
personagens, caricaturas de si mesmo na primeira temporada (principalmente os
adultos da primeira versão), agora eles se comportam como antigamente, mesmo
que ainda super extravagantes e absurdamente peculiares.
Aí entendi o porquê não me apaixonei pela
primeira temporada: a família que eu conhecia não parecia mais a mesma. Eram
apenas atores tentando incorporar personagens e situações surreais.
Quando eu tinha 11 anos, Danny, Jesse, DJ, Stephanie,
Michele, Becky, Kimmy, Steve, Comet e Joey não eram personagens de televisão.
Eles eram meus companheiros, as pessoas que eu encontrava no mundo mágico da
cidade de São Francisco. Eu amava eles e os via meio que como minha família, em
uma época em que minha real família estava desmoronando. E por mais cafona que
fosse, esse retrato da família feliz, era como eu queria que minha família
voltasse a ser.
A segunda temporada de Fuller House chega em
momento oportuno. O mês do ano em que estamos pensando em nossas famílias e nos
permitimos ser mais melosos que o normal. No meu caso, ainda se somou uma TPM e
a perspectiva de uma visita à família após um ano longe.
Não há dúvidas que essa série é um gosto
adquirido. Não recomendo para quem não assistiu a original e admito, que me
perguntaria antes mesmo de indicar a alguém que também passou parte da infância
neste mundo. Não recomendo para pessoas que querem uma série de família
tampouco, pois o que vemos é um ideal de família ultrapassada: aquela perfeitinha,
padrão, heterossexual, todos jovens brancos, loiros e ricos. Onde as crianças
são educadas e admiram os pais.
Ainda assim, é uma das poucas séries em que as
pessoas são reconhecidas por serem gentis e carinhosas com os outros, no mesmo
nível que uma conquista intelectual é valorizada, onde ser excêntrico é uma
qualidade, onde é ok ser comum e normal também. Onde a boa convivência, o
bem-estar e bem querer são muito mais importantes do que individualidades,
conquistas e opiniões cruéis fantasiadas de ‘verdades’ ou ‘comentários
engraçadinhos’.
Todas as situações da vida são simplificadas,
não há dúvidas, mas Fuller House ainda nos provoca empatia: ainda conseguimos
nos ver naquelas situações, reconhecer aqueles sentimentos. E o apoio que eles
dão uns aos outros, por vezes, é o tipo de carinho ou palavras que temos
vergonha de admitir que gostaríamos de receber de nossa própria família e
amigos.
Para os Tanners, família reconhece e aceita os
defeitos dos outros. Briga e faz as pazes. Fala o que precisa, mas ama
incondicionalmente. E minha relação com Full House e Fuller House não é
diferente.
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